sexta-feira, março 17, 2006

Ensaios Clínicos

Provavelmente já deram conta das notícias que relatam o ensaio clínico, realizado em Inglaterra, que correu mal... bastante mal. Neste momento quatro indíviduos estão em estado grave e dois em estado crítico. O seu sistema imunitário está totalmente desregulado, órgãos internos apresentam graves danos e, aparentemente, o aspecto dos indivíduos é terrivel ("Elephant-man" é uma das denominações atribuídas pelos tablóides britânicos). Todos estes efeitos em apenas 90 minutos.
O fármaco testado, que pretende ser uma terapia contra a leucemia e artrite, é produzido por uma companhia alemã, mais propriamente de Würzburg, cidade onde me encontro actualmente.

Num artigo da Nature, publicado antes do incidente, e focando mais a publicacão de resultados provinientes de ensaios clínicos do que os ensaios propriamente ditos, podíamos ler isto:

"They answer only the questions they want to answer. They ignore evidence that does not fit with their story. They set up and knock down straw men. Levelled at politicians, such accusations would come as no surprise. But what if the target were the researcher who test drugs? And what if the allegations came not from the tabloid press, but from studies published in prestigious medical journals?"

O mundo farmacêutico foi sempre poderoso e um pouco obscuro e, de tempos a tempos, somos levados a por em causa os seus princípios éticos (ou a falta deles). Veja-se o flime "O Jardineiro".
Os ensaios clínicos não estão em causa. Sãao obviamente necessários. Todos temos essa noção. Mas apesar de todos os avisos e dos contractos que assinam, descrevendo que os ensaios podem causar graves danos às suas saúdes, as pessoas voluntariam-se essencialmente por causa do dinheiro que recebem. São normalmente estudantes, viajantes, desempregados que a troco de 2 a 3 semanas no papel de cobaias recebem mais de 4000 €.
Estes voluntários, no entanto, esperam e confiam que as empresas não saltem etapas, que o medicamento seja seguro e que os procedimentos sejam desenhados correctamente de forma a minimizar os riscos.

Neste caso concreto há duas coisas que a mim, por hábitos de ofício, me fazem uma certa confusão. Primeiro, para uma droga chegar a esta fase de ensaios teve de ser testada anteriormente em animais, e custa-me a crer que, pelo menos nos macacos, não tenham havido problemas anteriormente. E se os houve, foram omitido ou negligenciados, o que em qualquer dos casos é grave e criminoso.

Dada a natureza do medicamento, um anticorpo monoclonal para usar em humanos, até posso aceitar que não houve efeitos secundários relevantes nos animais, mas exactamente a sua natureza leva-me ao segundo ponto. Como é que um droga destas, a ser usada pela primeira vez em humanos, pode ser testada numa dose aparentemente tão elevada? E em seis indivíduos simultaneamente? Ter dado a droga em, por exemplo, dias diferentes teria evitado problemas em cinco dos infelizes voluntários.

Qualquer que seja o desenvolvimento do assunto, todas as pessoas envolvidas neste tipo de ensaios devem ponderar um pouco sobre o sucedido. Os voluntários devem compreender o que lhes dizem e ter a perfeita noção dos riscos que correm. As empresas, pelo seu lado, devem ser, no mínimo, éticamente claras e estar cientes de que jogam com a vida das pessoas, e que as etapas não são para se queimar... por muito dinheiro investido que se possa perder