terça-feira, abril 11, 2006

Era o CPE assim tão mau?

Tenho acompanhado com alguma atenção o muito que se tem escrito sobre o Contracto Primeiro Emprego (CPE), em França, e o tema está na minha “agenda” há já algum tempo. A decisão de ontem, por parte Villepin e Chirac, de retirar o CPE, após 10 semanas de protestos, greves e manifestações, veio dar o impulso que faltava para que tentasse responder à pergunta inicial.

Para compreender a iniciativa de Villepin, é importante perceber a situação actual de um imenso número de jovens em França. A maior preocupação e problema dos jovens franceses é, sem dúvida, o desemprego. O que no caso dos jovens filhos de emigrantes muçulmanos e africanos, toma uma dimensão ainda maior dado serem alvos de descriminação por parte dos empregadores.

Depois das manifestações violentas de há alguns meses atrás, causados por jovens desempregados, habitantes de bairros socias degradados, sem um projecto para as suas vidas, foi prometido que o Governo iria fazer algo por estes jovens, para que o seu acesso a empregos fosse incentivado. Este CPE vem, em minha opinião, muito na sequência desses motins.

Estes jovens são, em parte, pessoas sem grande formação, que saltitam entre a situação de desempregados e um McEmprego de curta duração, que não lhes dá qualquer tipo de garantias.

O outro grupo alvo deste CPE, são os estudantes universitários que ao terminarem os seus cursos deparam com grandes dificuldades para entrarem no mercado de trabalho, dado que também a eles lhes falta experiência.

O outro lado do desemprego é a atitude e a estratégia dos empregadores. Para o bem e para o mal vivemos num mundo capitalista, em que o lucro e a rentabilização são forças motoras das empresas, da sociedade. Do ponto de vista de um patrão, ao procurar um novo empregado, o melhor candidato será aquele com melhor experiência, que não necessite de grande formação e que rentabilize o investimento no seu ordenado o mais depressa possível. Em França, dadas as rígidas leis de protecção aos empregados, fruto da força e influência dos sindicatos, torna-se muito dificil despedir quem quer que seja. Perante este facto, os empregadores tendem a correr o menor risco possível nas suas aquisições.

Porque razão hão-de eles contratar alguém sem experiência, alguém em quem não confiam, alguém que não lhes assegure uma boa execução do trabalho? Porque vão eles correr o risco de contratar alguém que depois não podem despedir facilmente? Porque vão eles dar emprego a jovens recém-licenciados que mal sabem o que estudaram? Este é o real drama do desemprego francês. A força dos contratos laborais em França é “um paus de dois bicos”. Se por um lado confere uma real segurança dos trabalhadores, por outro diminui as possibilidades de criar novos empregos, ou melhor, de criar empregos a jovens sem real experiência de trabalho.

O CPE não era perfeito. O CPE não criava, per se, postos de trabalho. Mas não é ao Estado que confere a responsabilidade de criar empregos privados. Mas confere-lhe a responsabilidade de tentar dar condições para a criação desses empregos. O CPE entrava exactamente neste ponto. Ao criar o CPE, permitindo o despedimento, sem justificação, nos primeiros dois anos de contrato, numa primeira versão, ou depois de um ano, na segunda versão, Villepin pretendia passar uma mensagem aos empresários – “deêm mais oportunidades aos jovens, deêm-lhes formação profissional. Se não corresponderem às vossas expectativas, podem despedi-los sem prejuízo maior para as vossas empresas. Invistam no vosso futuro”.

Claro que não podemos ser cínicos. Não era um panorama idílico. Saber que se pode ser despedido a qualquer momento, ou que ao final de dois anos estão no desemprego novamente. Mas seria, na minha humilde opinião, melhor do que a situação actual em que nem emprego têm. Pelo menos, ao final dos dois anos, teriam mais formação do que actualmente, o que lhes poderia abrir outras portas.

Também nós, em Portugal, temos algo semelhante com os estágios profissionais, com duração de 9 meses em que o ordenado é dividido entre a entidade empregador e o Estado. Nada garante que passado esse período sejam incorporados, mas pelo menos têm uma formação profissional certificada.

O que falhou em todo este processo foi a forma como Villepin levou a cabo a implementação da lei. Ele fez-la sozinho, não a discutiu com o seu grupo parlamentar, quase que não a discutiu no parlamento e, especialmente, não cumpriu uma regra de ouro em leis laborais, em França particularmente, que foi não discutir a lei com os parceiros sociais, comprando logo aí, independentemente do conteúdo da lei, uma guerra com os sindicatos. O posicionamento táctico de Sarkosy, em pré-corrida com Villepin, para as presidenciais de 2007 e a “Guterresização” de Chirac, fizeram o resto.

O CPE não era a solução para todos os males, bem longe disso, mas não era assim tão mau…