terça-feira, maio 09, 2006

O "cansaço" de Freitas

Uma nota introdutória para amortecer uma eventual sensação de incongruência da minha parte, que possa advir da leitura deste post. Por altura da “crise dos cartoons” é possível que alguns dos nossos clientes tenham ficado com a impressão que não gosto particularmente da personagem do nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros. Enganaram-se se assim pensaram. Verdade que não nutro especial admiração por Freitas do Amaral, mas respeito o que fez e os lugares que ocupou durante a sua longa carreira política. O facto de Freitas ser tema recorrente do blogue é resultado, apenas, do homem gostar de aparecer e de ser motivo de comentários, seja porque não concordo com as suas ideias ou afirmações, seja porque mudou, mais uma vez de opinião.

Sábado de manhã fui trabalhar e, já que lá estava, aproveitei para ler o Expresso. Primeira página encabeçada logo por um título de deixar as mentes mais mordazes a babar-se por ler mais. “Freitas cansado no MNE”. Já imaginava o que iria escrever no moleskine. Algo como: “Freitas não és só tu, nós também estamos cansados de te ter no MNE” ou, “Tens problemas nas costas, tomo ozonol”.

Imprimi logo o artigo para o ler com mais atenção posteriormente. Li-o. Li-o duas vezes mais. Senti-me enganado, manipulado. A manchete do jornal Expresso é, no mínimo, exagerada e propositadamente abusiva.

A manchete foi “sacada” da resposta à pergunta “As constantes viagens, o jet lag, o avião, são cansativos para si?”.

Freitas respondeu algo tão simples quanto As viagens são um pouco cansativas, sobretudo para quem, como eu, tem problemas na coluna. Mas mais cansativo é um dia inteiro de trabalho no Ministério, das nove e meia da manhã às nove e meia da noite, constantemente a receber pessoas, a fazer telefonemas, a ler telegramas, a dar despachos, a fazer assinaturas, reuniões. Chega-se ao fim do dia completamente estoirado”.

Chegar ao final do dia cansado é o que eu espero de todos os nossos governantes. Que se esfalfem, que trabalhem. Dizer que chega cansado ao final de um dia de trabalho no Ministério é totalmente diferente de dizer, como somos induzidos a pensar dada a manchete, que está cansado de trabalhar no Ministério.

Eu também chego muitas vezes estoirado depois de um dia inteiro no laboratório, e trabalhar na Alemanha é especialmente penoso na Primavera para quem sofre de alergias como eu, mas isso não quer dizer que esteja farto do meu trabalho.

O outro ponto “pseudo-polémico” da entrevista é o facto de Freitas admitir já não ser ministro em 2007. O ponto só pode levantar celeuma a quem das duas uma: ou não leu a entrevista, ou interpreta a língua portuguesa de um modo muito diferente do meu.

Sobre uma eventual inclusão numa eventual remodelação governamental disse: Poder, posso (ser incluido). Posso ser substituido em qualquer momento, sozinho ou em companhia – isso é uma questão que depende apenas do primeiro-ministro”.

Seguiu-se a pergunta se era importante para ele estar nestas funções quando Portugal presidir a União Europeia no 2ºSemestre de 2007. Respondeu Sim e não. Sim, porque a Presidência é sempre uma experiência enriquecedora… Mas posso dizer-lhe que não seria mais importante do que outras coisas que fiz na vida…”. Daí a concluir que poderá não estar em funções em 2007 por motivos de saúde vai uma distância tremenda.

O Expresso é um jornal de referência no nosso país. É indiscutível que tem um especial acesso a notícias do interior dos aparelhos partidários e governamentais. Mas também é muitas vezes usado, pelos mesmos que lhe conferem verdadeiras “caixas”, para joguinhos políticos. De uns tempos a esta parte tem também uns certos devaneios editoriais com manchetes no minimo discutiveis, em termos éticos como o caso acima referido, como em termos de importância jornalística. Veja-se esta mesma capa da edição de sábado passado. Ficamos a saber que “Soluços atrapalham Saramago”. Importante, não acham?

O Expresso e os seus directores que tão bem criticaram os parlamentares pela sua falta de ética no processo das faltas injustificadas, deviam também olhar para o seu procedimento e ponderar um pouco antes de se mostrarem assim tão “perplexos” com a reacção de Freitas.

PS: Outro facto curioso foi a reacção dos diferentes partidos a este “incidente”. Marques Mendes sem ter lido sequer a entrevista decide não fazer comentários, mas preocupado com o estado de saúde do ministro sempre adianta que “estar cansado não é bom sinal”.

Louçã, insensível, considera que a saúde de Freitas não é motivo de debate político”. Jerónimo não se precipita a fazer comentários… apenas casca mais uma vez nas políticas do governo.

Finalmente, e como seria de esperar vindo do PP quando se fala do seu fundador, aparece Pires de Lima a autoflagelar mais um pouco o seu partido contribuindo um pouco mais para o descrédito que tem perante os portugueses, dizendo que Sócrates devia desanuviar Freitas do fardo de ser ministro. Será que ao menos leu a entrevista ou ânsia de criticar Freitas naquele partido é tão grande que até ficam cegos?