quinta-feira, junho 08, 2006

Mourinho e Scolari - serão eles diferentes?!

Cara e Querida APA,

Foi com prazer e um sorriso que li o teu comentário no moleskine. O primeiro de muitos, desejo eu. Pedias que alguém te elucidasse o porquê das diferentes avaliações que pessoas fazem de Scolari e Mourinho quando são ambos, em doses similares , vencedores e particularmente arrogantes.

Duvido que fiques esclarecida depois de leres este post… bem pelo contrário, mas de qualquer modo ficas com a minha humilde opinião.

Comecemos por Mourinho. Era o treinador da minha equipa de eleição. Viste o meu contentamento no dia seguinte à vitória na taça UEFA. Não viste a minha alegria depois da vitória na Liga dos Campeões, mas certamente que imaginas como foi. Mourinho levou uma equipa boa, mas não especialmente boa, a transcender-se e a vencer tudo practicando um estilo de futebol que continua a vingar na Europa, agora no Chelsea. Mourinho tornou-se um vencedor e um dos mais bem pagos e desejados treinadores do mundo.

No entanto, o homem não é um poço de virtudes. Muitas vezes te ouvi dizer algo como “já nem posso ouvir aquele arrogante”. Mourinho é, sem dúvida, arrogante. Digo mais, truculento, conflituoso e mau perdedor. Mas metódico. Tudo o que faz e, especialmente, o que diz, tem como objectivo proteger, incentivar ou enviar avisos para o interior do seu grupo.

Mourinho adora ser criticado e dar razões para que o critiquem. Adora dizer frases bombásticas que explodem nas capas dos tablóides londrinos. Sente-se um peixe na água quando provoca árbitros, os treinadores e jogadores adversários. Gosta de os pôr nervosos, ansiosos e com ganas de os bater. Depois ensina como ninguém os seus jogadores a explorar a ânsia e as fraquezas do adversário, do qual faz um estudo impressionante.

Ao mesmo tempo que centra as atenções nele, evita que os focos vão para os seus jogadores. Convence-os que são os melhores, dá a cara por eles na hora das derrotas, culpa por vezes as arbitragens quando as coisas não lhe correm bem (mesmo que a sua equipa tenha sido claramente inferior, como foi o caso da eliminatória com o Barça), como também critica os seus jogadores quando estes perdem um jogo por terem andado a passear a camisola pelo campo.

Mourinho é convencido? Sim, ou melhor, Mourinho está convencido que é o melhor. É arrogante? José Mourinho, a pessoa, não faço a mínima ideia, mas Mourinho o treinador é arrogante todos os dias, esforça-se por ser único, quer continuar a dar razões para que o chamem “Special One”.

Scolari é também ele um vencedor. Ganhou várias coisas no Brasil, na América do Sul, e foi campeão do mundo em 2002 com o Brasil. Ao contrário do que o JM opina, não creio que Scolari tenha que provar o que quer que seja. É sem dúvida, também ele um bom treinador.

Scolari chegou a Portugal depois do último Mundial, em que o físico foi tratado com visitas de prostitutas ao estágio da selecção, e a táctica preparada com base nos poderes sobrenaturais de pés de alho. A selecção precisava de alguém como ele. Um “sargentão” para por as tropas na ordem, alguém que fosse imune a pressões. E foi isso o que fez, primeiro uma limpeza de balneário disfarçada de “escolhas de critério desportivo” deixando Baía, João Pinto e outros de fora. Depois a sua peculiar relação com os seus críticos, nunca levando em consideração opiniões que fossem diferentes das suas.

E a verdade é que a imprensa desportiva nacional, anormalmente acéfala no que toca a críticas ao seleccionador, educou e habituou-o mal. Raramente se põe em causa as escolhas que ele faz, e muito menos o que diz. Talvez seja tudo em nome na unidade nacional. O que a unidade nacional quer é notícias sobre os milhares de pessoas que acompanharam a selecção em Évora (mas ao longe), os milhares de emigrantes que esperavam pela selecção no aeroporto durante horas, para depois (não) vê-los sair por uma porta lateral, as entrevistas dadas pelos nossos originais jogadores dizendo que vão lutar pela titularidade, que os adversários não são fáceis, que vão entrar para todos os jogos com o objectivo de vencer, e com vontade de retribuir todo o apoio e carinho dos emigrantes e de todos em Portugal. Todos os dias o mesmo.

Quando aparecem críticas como:

- “Qual é o sentido de criar um centro de estágio propositadamente para receber a selecção durante uma semana?”;

- “Porque são convocados jogadores que não jogam habitualmente nos seus clubes, e em duvidosa forma fisica?”;

- “Como pode ele saber se a selecção está bem preparada para o Mundial, quando faz jogos de preparação com selecções poderosíssimas como Cabo Verde e Luxemburgo?”

- “Que incentivo dá ele aos restantes jogadores quando diz meses antes do Mundial, que já tem quase a totalidade dos lugares preenchidos e que só muda de opinião se houver lesionados? Quando não convoca o melhor jogador do campeonato?”

Scolari apelida os críticos de intelectuais, chamando “Bosta” a Miguel Sousa Tavares, e algo que me escapa agora, ao cineasta Pedro Vasconcelos. Scolari tem todo o direito de não gostar, não concordar e até replicar as opiniões diferentes das suas, mas não pode de maneira alguma descambar para o insulto. Eu, que concordo absolutamente com estas críticas, sou apenas intelectual ou também uma bosta?

Scolari preocupa-se também, tal como Mourinho, em salvaguardar o seu grupo de jogadores. Escolhendo sempre os mesmos transmite-lhes o sentimento de que são uma família, que confia neles e que juntos vencerão. Mesmo que estejam a jogar mal, ou fisicamente empenados, o importante é estarem unidos. Mesmo que Ricardo faça asneira atrás de asneira no Sporting, vem Scolari e põe-no a titular. Mesmo que Costinha não jogue há seis meses, não faz mal, é da família.

Refugia-se nos “99,9% dos portugueses que o adoram”. Refugia-se mal. Os portugueses adoram que a selecção vença. Se voltarem da Alemanha demasiado cedo, verá como os portugueses se transformam rapidamente em intelectuais. E até os jornalistas desportivos passarão rapidamente de bajuladores a abutres.

Concluindo, ambos cultivam uma arrogância sem limites, mas também protegem como ninguém os seus jogadores. De maneiras diferentes porque também são realidades diferentes.

O que os distingue é a forma como lidam com a imprensa, e como as críticas afectam, ou não, o seu trabalho. Mourinho faz críticas e é criticado. É arrogante mas não especialmente teimoso. Se tem de mudar algo na equipa, pura e simplesmente muda, independentemente daquilo que os outros dizem ou sugerem.

Scolari mais do que arrogante é teimoso. Detesta dar razão aos seus críticos, detesta reconhecer que errou. É tão teimoso, que foi preciso jogar todos os jogos de preparação para o Europeu de uma forma paupérrima e perder o primeiro jogo com a Grécia, para finalmente fazer o óbvio e aquilo que todo o país clamava há meses: o aproveitamento da equipa base do FCP, recém campeão europeu. A arrogância de Scolari cega-o.

Claro que todas estas críticas caem por terra com uma boa campanha de Portugal na Alemanha, mas não faria sentido para mim expressá-las depois do Mundial.

Espero, sinceramente, que façamos um grande campeonato e que Scolari demonstre que estou errado. Scolari é um bom treinador, e tem uma boa equipa. Tem agora a oportunidade de mostrar que a sabe moldar para obter grandes feitos.

Eu por aqui andarei, criticando ou elogiando, sofrendo certamente, entre a alegria de um golo e as saudades do meu país.

Um beijo para ti, carregado com as saudades que tenho dessa vista para o Tejo.

PS: Nada esclarecida, certo? :-P

1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Totalmente esclarecida! Finalmente!!! E totalmente de acordo também.
É que confesso que não fiquei muito convencida com a explicação do JM – é que a minha primeira hipótese de que um era tuga e o outro brasuca foi eliminada mas fiquei com a sensação de que a razão para um poder ser arrogante e mal-educado e outro não, era que um era bom profissional e o outro não. O que para mim também não é uma razão válida.
Reconheço que me faltava o conhecimento dos exemplos concretos (pelo que já me penitenciei no comentário anterior) mas a tua explicação é perfeita. Obrigada!
De qualquer modo, eu, tal como tu, seja o homem um parvo ou não, também quero que a selecção faça uma óptima campanha na Alemanha! Se assim for, provavelmente iremos ter depois o dito-cujo “inchado que nem uma pipoca” (vá, para matares as saudades do Ti V…) e mais arrogante que nunca, mas isso serão outros 500 e logo se verá…
Beijos & Abraços para todos os “Moleskine” - um bocadinho mais especiais para o RPG, desculpem lá… :-)

11:30 da manhã  

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