quarta-feira, junho 28, 2006

O Mundial visto de cá

É inevitável para mim, por gostar de futebol e também por estar no país que acolhe a competição, falar do Mundial de Futebol.
Este campeonato é o segundo que vivo na condição de emigrante e é o primeiro em que assisto como habitante do país organizador… sim é verdade, falhei o Euro 2004 em Portugal.

Muitas vezes escutei emigrantes dizerem que sofrem muito mais por estarem longe do país, que sentem mais orgulho nas vitórias de Portugal, que demonstram como ninguém o amor pelo país com o seu apoio incondicional. Para ser sincero, não concordo que sofram, sintam ou apoiem mais a selecção do que a generalidade dos portugueses. É, no entanto, seguramente diferente.

Assisti ao jogo de Portugal com a Holanda num bar aqui de Würzburg. Não abarrotava mas estava composto. Exceptuando os devidamente trajados com os equipamentos, cachescóis e bandeiras, não se distingue à partida quantos dos presentes são portugueses. Até ao momento em que o hino é entoado. Um silêncio apodera-se de alguns dos presentes, os mesmos que logo de seguida murmuram a letra de “ A Portuguesa”, os mesmos que não conseguem esconder um brilho húmido nos olhos, e que seguram firmemente um cachescol ou uma bandeira como se tudo o que os une ao país se resumisse aquele pedaço de tecido. Não somos muitos, cinco creio eu.

O jogo começa, com uma intensidade acima do normal. Os holandeses dominam, nós, como vós, sofremos, ansiamos por uma resposta. Ouvem-se os mesmos comentários que todos vocês ouviram nessa noite. Sobre o árbitro, sobre os seleccionados e o seleccionador. Sobre o jogo viril e agressivo. A euforia do golo, a ansiedade da segunda parte, o alívio do apito final. As felicitações dos alemães presentes no bar, mais por termos eliminado a Holanda do que propriamente por termos vencido. Termino a última cerveja, os votos de uma boa noite aos conterrâneos que nunca tinha visto antes e que provavelmente nunca voltarei a ver. Estou contente, um pouco eufórico, porque não?! Saio do bar com os gritos dos espectadores do estádio, comemorando a vitória, a ecoar na cabeça. Ao passar a porta para a rua noto que não estou em Portugal.

O silêncio da noite, uma rua sem carros, umas pingas que me salpicam a testa larga. Revivo a noite da vitória do FCP na Liga dos Campeões, quando estava em Barcelona.
A euforia do momento, rapidamente se transforma em melancolia… enquanto caminho para o carro penso na vitória, no golo triunfal, na batalha memorável. Procuro escutar por entre o gotejar da chuva o barulho estridente de uma buzina. Procuro ver nos raros carros que passam uma bandeira. Em vão. A única coisa a fazer lembrar Portugal é o cachescol que levo na mão. E um ou outro cumprimento de alguém mais atento.
O telemóvel toca. De Portugal um telefonema de um amigo ou familiar. Contentes. Eufóricos. Felizes apenas. Ao fundo aquilo que procurava escutar. As buzinas dos carros, os gritos das pessoas. Mas tudo passa quando acaba a chamada. Fico só novamente. Feliz e melancólico, orgulhoso mas distante, a sofrer um pouco mais além do jogo por não poder estar convosco a celebrar o momento.
O carro conduz-me a casa enquanto eu me perco nos meus pensamentos. Ao chegar uma surpresa. Numa casa próxima uma bandeira portuesa a esvoaçar e uma buzina a rasgar a noite quando estaciono o carro. Um sorriso rasgado de um miúdo e um convite para um cálice de Porto mesmo ali no jardim. “É para celebrar…” – diz o pai.

Foi preciso uma vitória num jogo de futebol para que aquela família portuguesa se dar a conhecer ao indivíduo que estaciona um carro português naquele mesmo local vai para quatro meses. É nestes momentos que as memórias e as saudades se tornam mais intensas e mais difíceis de suportar. Também eles preferiam ter ali ao lado os seus amigos… mas esses estão tão longe como os meus.Podemos não celebrar com quem mais desejamos, mas acabamos por nunca estar sós. Procuramos como podemos reviver o que faríamos naquele momento se estivessemos em Portugal. Mas não estamos. Sofremos por isso. É apenas esta a diferença.